quinta-feira, 14 de agosto de 2014

E então, o que aconteceu?

Chegou o fim da viagem. Fui tomada por uma letargia irrefreável. Não conseguia escrever nada, não sabia como organizar a ideia de que estava voltando. Não sabia se tinha que olhar tudo ao redor com mais detenção, cada parte, cada detalhe, por um, dois, três minutos. Não sabia se tinha que escutar com mais cuidado, se tinha que comer com maior pausa. Tudo porque não sabia como agir na despedida. Não sabia de que tipo de despedida se tratava. Estava só. Queria ficar só e andar pelo centro da Cidade do México. Tirar foto das ruínas do Templo Maior, ouvir os homens do realejo, um em cada esquina, ouvir a gravação da compradora de eletrodomésticos velhos que entoa por todas as ruas da cidade, eu queria colocar a cidade dentro de mim. Não sabia me despedir. Ainda não sei.

Não falei de Taxco, para onde viajei pouco antes de ser dominada por esse sentimento de partida que se aproximava. A cidade está localizada entre montanhas, parece que está pendendo de uma delas, na verdade. Em meio às curvas fechadas feitas pelo carro que me levava até a antiga cidade mineira, e em meio a uma náusea que me cobrava esforço para manter o estômago dentro de mim, via as casas brancas se assomando na montanha muito íngreme mais adiante. A cidade realmente parecia estar à beira de um abismo. Eu quase vomitei.

Andando pelas ruas de pedras, onde se amontoavam lojas e lojas de acessórios de prata, algumas de artesanato, tudo à venda, estava a igreja de Santa Prisca, fotografada por Juan Rulfo. Quis encontrar o ponto de onde ele a fotografou. Choveu e foi difícil subir as ladeiras de pedras molhadas sem escorregar, na busca da visão daquele que me levou até ali.

Igreja de Santa Prisca à noite, pelo amigo e companheiro de viagem German Carrasco.

Após muitas subidas, às vezes tínhamos que nos apoiar nas janelas das casas que margeavam as ruas para seguir caminho, chegamos a um pátio que tinha, a um canto, uma pequena igreja. Nos voltamos à direção da igreja de Santa Prisca desde este pátio. A vista era quase a mesma da foto, mas pareceia que Rulfo se encontrava ainda mais acima de nós quando fotografou. Parecia que havia subido na torre daquela pequena igreja e de lá pôde ver a igreja principal com maior destaque. Na foto, o pátio da igreja pequena também é visto, e é por onde caminha uma mulher com um cesto na cabeça. Pensei que poderia remontar mentalmente toda a cena que vira Rulfo se alcançasse exatamente o mesmo ponto em que estivera para aquela tomada.

Igreja de Santa Prisca (no alto), por Juan Rulfo.

Entramos na pequena igreja e pedimos ao padre, que estava passeando por entre os bancos vazios, para subir na torre. Explicamos que eu vira do Brasil para isso. O padre acedeu sem grandes interrogações. Subi por uma escada estreita de espiral, tentei não olhar para baixo pois tenho vertigem, o que não mencionei a nenhum dos que me acompanhavam. Ver desde o mesmo ponto de vista de Rulfo se sobressaía aos meus medos. Lá de cima, via-se o pátio se estender até a ladeira próxima e, mais abaixo, a igreja de Santa Prisca. Não era ali. Na foto de Rulfo a igreja de Santa Prisca ficava acima do pátio que fazia perpendicular com o local em que se encontrava o fotógrafo. O padre disse que possivelmente o fotógrafo havia mirado sua câmera, lá em meados dos anos 50, desde um outro bairro próximo, que hoje em dia era bastante perigoso para turistas. Frente à chuva e ao perigo da ultra-pós-modernidade, desisti de seguir a busca.


Na volta de Taxco me segurava com força na porta do carro, com medo de ser arremessada em alguma curva e cair nos abismos do mundo.