segunda-feira, 17 de março de 2014

A fotografia proibida

Nessa semana, um palhaço entrou no trolebús com seu ajudante mirim, provavelmente seu filho. O menino pintado respondia ao jogo de perguntas do palhaço maior com respostas decoradas, sem nenhum sentimento, tornando as piadas meras palavras atiradas ao ar a troca de alguns centavos. Enquanto repetia mecanicamente as piadas, olhava, através da porta transparente do trolebús, passarem as árvores da calçada da Miguel Ángel Quevedo iluminadas pelo sol forte, como borrões de verde e dourado. Acontece que o trolebús é um palco triste.

Mas o que se seguiu aos palhaços tristes foi uma tarde agradável em uma praça arborizada de Coyoacán com tango e samba, vinho e cerveja. Nós, os turistas, sempre alheios à mexicanidad (e burlando a lei que proíbe o consumo de bebida alcoólica em vias públicas).

E no dia que se seguiu, o bosque de Chapultepec, onde está o Castillo em que viveram Maximiliano e Carlota e os dois lagos artificiais de Porfirio Díaz, se abriu sob o sol de todos os dias dos turistas. Percorremos as passarelas do bosque tomadas de gente, bordeadas de ambos lados por camelôs com toda espécie de quinquilharia. Me detive em um deles, de onde pendiam títeres vestidos de mariachis. Os títeres me fascinam, são bonecos assustadores, denunciam e ocultam ao mesmo tempo a sua artificialidade, demonstram o grande segredo do mundo, que é o de mostrar a liberdade, mas, ao mesmo tempo, tê-la amarrada a fios quase invisíveis (como em uma das cenas mais lindas do cinema, em Fanny e Alexander, de Ingmar Bergman, quando Deus aparece para o menino Alexander como um títere). Resolvi tirar uma foto dos bonecos, atitude que ilude o desconforto do turista frente a algo completamente efêmero. Quando posicionava meu celular para a foto, porém, a vendedora se pôs entre a câmera e os bonecos e disse que não podia tirar fotos, argumentando que seus objetos eram para vender e não para que eu ganhasse dinheiro com o seu trabalho sem lhe pagar nada. Como sempre acontece comigo em situações como essa, não lhe disse nada. Apenas abaixei o celular e repeti para a minha amiga: "dijo que no se puede sacar fotos". Mariela, porém, apontou para os posteres emoldurados apoiados no chão ao redor do camelô, que exibiam fotos de Justin Bieber, Iron Maiden e afins, e argumentou que ali também se via um trabalho vendido sem que houvesse o pagamento aos fotógrafos proprietários daquelas imagens. A senhora se desconcertou por alguns segundos, mostrou a moldura de papelão, o revestimento de cola brilhante nas fotos impressas e disse que cobrava por este trabalho que fazia, não pela foto em si. Retomamos nosso passeio, percorremos os belos museus de Arte Moderno e Rufino Tamayo, mas o debate com a mulher não nos abandonou.

Seguramente devido a nossos trabalhos, ambos envolvidos com a fotografia, tivemos que debater mais, pensar mais, escrever (cada uma em seu blog) sobre o assunto. A questão do direito da imagem torna a situação por si só contraditória. Não nos pareceu que a senhora esperasse que encontraríamos um argumento para refutar o que nos dizia tão enfática. Afinal, era óbvio que os títeres eram seus, e que se tirávamos uma foto e a vendíamos, ela ficava sem o lucro. E aquelas imagens emolduradas logo abaixo dos bonecos pendurados eram acessíveis a qualquer um, bastando uns cliques na Internet. Nessa situação se reproduziu novamente a discussão tão cara à fotografia desde seu surgimento. No primeiro momento, a foto não é apenas de quem a tira, mas também de quem tem seu retrato tomado (afinal, fotografias são "tomadas" às coisas). E, no segundo momento, o discurso é completamente o oposto; a reprodução acelerada das fotos faz com que a ideia de não pertencimento aos autores e aos atores que as compõem se prolifere.

Disso, para não repetir a discussão circular, ficou para mim alguns argumentos que poderia ter usado no momento (isso sempre me acontece, o argumento em delay). A fotografia que eu tirava em momento algum se tornaria dinheiro, uma ilusão da senhora do camelô movida, num domingo ensolarado, pela lógica da mercadoria automaticamente transformada em capital (a foto do títere talvez estivesse agora reproduzida aqui, neste blog, acessado por quase ninguém, perdida no mundo contraditório da acessibilidade e do esquecimento que é a Internet, onde se perdem também fotos de "justin-biebers" e "iron-maidens"). Pensei então que poderia ter argumentado, "senhora, na verdade, é à luz que devemos pagar pelo fato de eu tirar uma fotografia, ao sol tão persistente do México e adorado por seus ancestrais, e não à sua mercadoria". Ou poderia ainda dizer: "senhora, como seu títere demonstra, isso tudo é uma mera ilusão". Mas o dinheiro compra ilusões, elas também valem caro, ela poderia responder. E a luz está aí todos os dias, seus ancestrais, mortos; e eu transformo a luz em mercadoria, como ela faz com a moldura das imagens de famosos.

Agora, nos vejo todos como os títeres trazidos pelos espanhóis na colonização. Turistas sul-americanos, vendedora mexicana, palhaços de transporte público, reféns da encenação de uma situação sem saída produto do capital. Maximiliano e Carlota, que transformaram o "vale dos gafanhotos" em um Chapultepec cuja palavra nahuatl está esvaziada de significado, espalharam já na colônia esses fios sintéticos de náilon que nos amarram a todos à lógica mercantil, fazendo-nos esquecer da luz, da magia da imagem e da graça do palhaço.

Um comentário:

  1. C'est l'amour qui a fait ça! Ah! Vede como essa cabeça atrevida e empreendedora forja e executa seus planos, ante os quais os atos heroicos de um Cartouche ou de um Howard se esfumaçam...

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